quarta-feira, 15 de maio de 2013

Revistinha (Turma da Mônica)


Olá a todos, meu nome é Suzano Junior, sou uma pessoa muito reclusa e reservada (fui diagnosticado assim), então o único jeito de contar o que se passou comigo é por meio da escrita, pois nunca tive a coragem de desabafar em um ombro amigo... talvez por vergonha ou por não ter os laços necessários para tal. Também é por isso que uso um nome fictício.

Enfim, desde o inicio de minha educação na pré-escola, sempre tive dificuldade com a escrita e leitura, é verdade que compensava essa deficiência na questão artística herdada pela família de minha mãe, era um desenhista muito avançado para a minha idade, nato, muito talentoso mas não conseguia juntar as sílabas para fazer um “bê-a-bá”.

Preocupados com esta situação, provavelmente por não participarem de minha didática por conta do excesso de trabalho, meu pai e minha mãe recorreram a um artifício muito comum entre a grande maioria das famílias brasileiras, as revistinhas da Turma da Mônica. Foi como então tomei gosto e apreço pela leitura e escrita, funcionou perfeitamente, as histórias de Mauricio de Sousa são um anzol para criaturas pequeninas a serem moldadas.

Minha mãe tinha uma irmã que era babá, no momento estava sem emprego, tiveram então a brilhante ideia de contrata-la como empregada-babá, já que era uma pessoa próxima de mim, tudo se tornaria mais fácil e seria supervisionado e educado por minha tia-babá.

O tempo foi passando, e eu não precisava mais de companhia para que lessem ou me ajudassem com a leitura dos gibis, era um passatempo, era diversão para mim e não mais uma obrigação! As revistinhas chegavam duas vezes por mês, sempre comigo contando os dias. Me tornei fiel à turma da Mônica, mesmo crescendo, tornando os valores e a mente cada vez mais velhas.

Três anos depois chegou uma edição em que havia uma proposta para que nós os leitores escrevêssemos ou desenhássemos uma história e enviássemos para editora. Se a mesma fosse boa o bastante, seria publicada juntamente com as histórias dos outros ganhadores em um Gibi para apenas as 10 melhores, que seriam passadas e coloridas aos traços do criador... aos traços de Mauricio de Sousa.

Esta edição não estaria a venda, os 10 ganhadores cada um receberiam em sua casa um único exclusivo exemplar com o seu nome impresso no fim das histórias, é de fazer inveja a qualquer amiguinho, é um troféu para orgulhar meus pais e minha tia babá.

Nesta mesma época minha família passava por dificuldades, estava na quarta série e já era maduro o suficiente para entender que meu pai, que estava doente devido ao câncer estava nos seus meses finais de vida. Como presente, queria muito mostrar-lhe a edição da revista em que tinha certeza que ganharia como uma das histórias vencedoras, onde o time do Cascão ganharia o campeonato do campinho do bairro do Limoeiro em cima do time de seu meu melhor amigo o Cebolinha; tive essa ideia pois eu e meu pai éramos aficionados em futebol.

Não deu tempo...Meu pai acabou falecendo antes que o resultado dos ganhadores fossem revelados. Ah meu Deus, faria qualquer coisa para tê-lo de volta e saudável, talento desperdiçado, deveria ter feito a história e dar para ele ler de minhas mãos!

Minha mãezinha então, entrou em um estado quase catatônico, deixou de trabalhar e cuidar de mim, minha tia que também era empregada e babá, decidiu socorrer sua irmã, tornando-se a chefe da família e não mais cobrando um salário para efetuar suas tarefas. Sempre que minha mãe apresentava algum sinal de melhora, ela via alguma foto ou lembrava de meu pai e piorava outra vez, minha tia então deu fim de TUDO o que lembrava meu pai, fotos, roupas, filmes... A comida favorita de meu pai nunca estava no cardápio, e principalmente as CORRESPONDÊNCIAS que davam a ideia que ele ainda estava em casa. Foi como se a existência de meu criador fosse apagada, assim como a de Mauricio de Sousa para com suas personagens.

Muito tempo se passou, iniciei o meu ensino superior e tive que me mudar de cidade. A faculdade de Direito, que leva 5 longos anos, deixei para trás a minha mãe e minha tia que praticamente me criou, nunca tive coragem de levar todos os meus pertences, acho que queria passar a ideia de que ALI ainda era meu lar, meu porto-seguro, meu quarto ficara praticamente no mesmo estado em que deixei, fora o guarda-roupa vazio. Eu as visitava todo final de semana.

Logo no final de meu quarto ano de faculdade, minha mãe e minha tia mudariam da casa onde viviam, a casa em que passei minha fase infantil, adolescente e pré-adulta. Achavam que uma mudança de ares faria muito bem a minha mãe. Minha tia, me ligou pedindo para que eu removesse o resto de minhas coisas do local, pois elas já haviam se mudado e me deixou o número do telefone residencial da nova casa.
Esperei o final de semana então e rumei a minha cidade natal. Cheguei em “casa” e tudo estava vazio, apenas meu quarto com meus pertences restantes e o “quartinho-guarda-tranqueira” que possuíamos detinham alguns objetos.

 Era lá onde minha tia guardou tudo relacionado a meu pai, obviamente não levaria para nova casa pois minha mãe deveria se livrar de seus pesadelos e não revivê-los mais, de forma que ela ficaria mais "segura". Fucei em algumas coisas e me deparei com a caixa de papelão que continha as correspondências em nome de meu pai. No meio da resma, me deparei com um almanaque da Turma da Mônica ainda lacrado. Pensei logo em seguida “O que isso esta fazendo aqui?”. Provavelmente minha tia, não considerou que era destinado a mim a correspondência, foi um erro fatal, pois eu era JUNIOR, tinha o mesmo nome que meu pai, ao ler apenas as iniciais já tomara a atitude de se livrar do conteúdo.

Comecei a folhear então a edição e vi que as histórias eram completamente estranhas, pareciam estar deslocadas ali, bem a frente do público destinado, quando finalmente vi meu nome, entendi que eu fui um dos ganhadores da promoção, e NUNCA soubera.
Mas ao começar a ler a história que correspondia ao meu nome, busquei na memória e vi que não era nada daquilo que tinha escrito, a história original fora totalmente editada por outra pessoa.

 Cebolinha e Cascão estavam vestidos estranhamente e brincavam em volta de algo que parecia um circulo para bolinhas de gude. Mônica se aproximou e disse que queria brincar também, eis que cebolinha responde “esta blincadeila é apenas pala meninos, você não pode golducha”
Cascão estava muito tristonho e nos quadrinhos seguintes revelou que havia contado anteriormente ao Cebolinha que havia perdido seu pai, e que queria trazê-lo de volta para vê-lo ganhar a final do campeonato,pois achava-se muito talentoso no futebol, e tinha certeza que sairia vitorioso!
Cebolinha dizia algumas palavras, e no meio delas os símbolos que Mauricio de Sousa usava para caracterizar os palavrões como nuvens, hashtags e cobrinhas.
No final da história, o pai de Cascão assistia ao jogo, porém sem seu filho dentro do time, e ninguém parecia notar a ausência de cascão. Depois do “fim” escrito no quadrinho, vinha meu nome Suzano Jr., tinha certeza que eu não era autor daquela história bizarra.

Não consegui falar com minha mãe ou minha tia, voltei então para minha cidade atual, fazia estágio na sala de um Juiz renomado, usei o sistema de busca de réus, para localizar os outros nove ganhadores das outras histórias...sem sucesso.
Com pesquisas mais aprofundadas que poderiam custar meu emprego, tendo em vista que era para uso federal, vi que nenhum dos outros nove se encontravam vivos, três eram dados como desaparecidos, todos realmente muito talentosos por terem ganho a promoção.

 Jamais deixarei que meus filhos leiam ou aprendam ler e escrever com a Turma da Mônica. Depois de incessantes tentativas de contatar minha mãe e minha tia que pareciam ter esquecido de mim, tendo em vista que mantinha contato em todos os finais de semana, recebo uma ligação do número telefônico da onde estavam vivendo (que foi previamente passado pela minha tia), era meu pai dizendo: “Ah meu filho, você achou a revistinha? Parabéns, você é muito talentoso!”.

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